A rabanada involuntária de Adélia Prado no iletrado Zema

A rabanada involuntária de Adélia Prado no iletrado Zema

Não sei se a grande e famosa poeta e escritora mineira Adélia Prado faria a expressão de uma de suas fotos, acima reproduzida, ou se sua manifestação facial seria de puro espanto.

Ocorre que, para assombro de alguns, com certeza não de todos, o ilustre e inculto governador do importante Estado de Minas Gerais Romeu Zema, terra de Tiradentes, Chica da Silva, Guimarães Rosa, de Carlos Drummond de Andrade e, como não poderíamos deixar de esquecer, o território de Pelé, numa entrevista presencial, em uma rádio da cidade mineira de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, terra natal da celebrada escritora, no programa Pauta Quente, ao final da entrevista, o chefe do executivo estadual é presenteado com um livro com 150 poemas da festejada cerzideira das palavras. Neste momento, Zema pega o livro dá uma folheada e solta a seguinte pérola: “Ela trabalha aqui?”

Adélia Prado, é bom ensinar ao governador, além de ser natural da terra que se encontra sob o seu lastimável jugo, já teve seus livros traduzidos para vários idiomas, foi encenada no teatro por ninguém menos que Fernanda Montenegro e ganhadora de inúmeros prêmios literários!!!

Lamentavelmente, estamos diante de um bolsonarista iletrado, o que, obviamente, se trata de um pleonasmo, mas não só. Como bem disse o não menos famoso advogado criminalista e mineiro Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, “É muito triste ver o que aconteceu com o país. A política de idiotização, do Bolsonaro – que é um indigente intelectual – apostou nos medíocres, nos que não tem vergonha, antes ao contrário de serem completamente incultos e banais. Mas o que aconteceu em Minas é muito triste. Minas não merecia um governador que não sabe quem é Adélia Prado. Que não sabe que existe liberdade e igualdade. Eu não tenho vergonha de ser mineiro, amo até, mas tenho muita vergonha dos mineiros que votaram neste homem que investiu na idiotice como maneira de fazer política”.

Não foi a primeira vez que Zema é motivo de vergonha alheia, certa vez em uma entrevista com a jornalista Monalisa Perrone, ao ser indagado por ela se ouvia bem, ele se saiu com essa: “Ouvo muito bem”.

Não se trata de exigir de políticos a escorreita articulação do vernáculo, mas Zema, fiel representante da elite deste país, um dos governadores mais ricos do Brasil, prova que sua fortuna não foi capaz de lhe propiciar um mínimo de conhecimento humanístico, tão necessário para o exercício das funções públicas.

Aqui em São Paulo não ficamos muito atrás, pois a maioria da população votante preferiu um conhecido bolsonarista ao professor e intelectual Fernando Haddad. Meu sentimento é o mesmo que Kakay, tenho vergonha dos paulistas que votaram em Tarcísio, no lugar do professor!

O que nos resta é ter esperança, mas como Paulo Freire sabiamente dizia: “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir!”

No caso o esperançar aqui é mostrar à população a dimensão que a tragédia da extrema-direita trouxe a esse país, para que consigamos construir sólidos caminhos rumo a uma nação minimamente civilizada, coisa que o bolsonarismo é incapaz de fazer.

Para finalizar e trazer um pouco de poesia ao texto e à vida, justificando, inclusive, o título destas linhas, quando me referi à rabanada, quero esclarecer que não se trata do tradicional quitute, mas no sentido de pancada com o rabo ou cauda, palavra essa maravilhosamente introduzida em um dos inesquecíveis e inebriantes poemas de Adélia Prado, sobre o casamento que, tenho certeza, é o sonho de todo casal.

Peço licença para reproduzí-lo, para o deleite dos meus escassos leitores:

“Casamento

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como “este foi difícil”

“prateou no ar dando rabanadas”

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva”,

Espero que, depois dessa, espoquem humanismo e sabedoria nos neurônios de Zema.

NEWTON JOSÉ DE OLIVEIRA NEVES

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